A cena pós-punk de Bristol é uma das mais fascinantes e subestimadas do Reino Unido. Enquanto cidades como Manchester, Liverpool e Londres roubaram os holofotes, Bristol cozinhava um caldo criativo intenso, feito de experimentações sonoras, inquietações políticas e um certo espírito de rebeldia artística que cruzava gêneros do punk, eletrônico ao art rock.
O que torna a cena de Bristol tão singular é justamente sua diversidade cultural e disposição a quebrar fórmulas. Diferente do pós-punk londrino, mais engajado com a estética fria e minimalista, ou do som mais direto e industrial de Manchester, Bristol criou um espaço onde a experimentação visual, o uso de ritmos não convencionais e uma certa dose de humor ácido conviviam em harmonia.
O Bristol Recorder, por exemplo, foi uma iniciativa ousada: um vinil que vinha com uma revista — combinando música e jornalismo alternativo. O projeto foi fundamental para documentar e divulgar o som da cidade, com participações de bandas como Essential Bop, Electric Guitars e Art Objects.
Algumas bandas essenciais para entender a cena de Bristol:
1. The Pop Group
Talvez a mais conhecida do núcleo bristoliano, The Pop Group surgiu em 1977 e explodiu com um som quase impossível de rotular: uma mistura de punk, dub, free jazz e poesia política. Seu disco Y (1979) é considerado uma obra-prima do experimentalismo. Faixas como “She Is Beyond Good and Evil” ou “We Are All Prostitutes” são manifestos sônicos, sujos, caóticos e brilhantes.
2. Glaxo Babies
Com ligações diretas com o The Pop Group (o saxofonista Dan Catsis migrou entre as duas bandas), o Glaxo Babies também transitava pelo terreno do jazz-punk, com grooves tensos e atmosferas paranoicas. O disco Nine Months to the Disco (1980) é um clássico cult, que mostra a faceta mais livre e dançante do pós-punk de Bristol.
3. Art Objects / The Blue Aeroplanes
Formado originalmente como um grupo performático de poesia e arte sonora, Art Objects contava com Gerard Langley e Wojtek Dmochowski, este último responsável apenas por dançar nos shows (!). A banda evoluiu para se tornar The Blue Aeroplanes, que nos anos 80 e 90 ganhou notoriedade com seu art rock literário, já mais próximo de bandas como REM e Echo & the Bunnymen.
4. Various Artists
Apesar do nome genérico, o Various Artists foi uma banda real e parte importante da cena. Misturavam post-punk com toques de dub e até um leve soul. Tinham uma pegada dançante, meio esquisita, meio pop. O vocalista Christian Clarke, viria a trabalhar com Steve Bush mais tarde.
5. The Cortinas
Começaram como uma banda de punk rock clássico, abrindo para os Sex Pistols e outras lendas em 1977. Mas logo se distanciaram do punk puro e entraram num território mais sofisticado, alguns integrantes depois iriam tocar no próprio Essential Bop (como Mike Fewings) e em outros projetos ligados ao pós-punk/art rock.
6. Maximum Joy
Com membros oriundos do The Pop Group e do Glaxo Babies, Maximum Joy é outro nome indispensável. A banda carregava fortemente a influência da música africana, incorporando metais, grooves sincopados e letras politizadas. É como se fossem o DNA do som de Bristol em forma de banda.
7. Rip Rig + Panic
Essa foi outra entidade mutante e excêntrica da cena, contando com Neneh Cherry nos vocais. Misturavam punk, jazz, dub e experimentalismo radical uma banda que praticamente antecipou muito do que viria com o trip hop e o nu jazz nos anos 90.
8. A Coletânea (Avon Calling)
Tal compilação, precisa ser mencionada: Avon Calling (1979), lançada pela Heartbeat Records, serviu como vitrine definitiva para o underground bristoliano. Reunia faixas de bandas como Essential Bop, The Stingrays, Sneak Preview, The X-Certs e outras. Um retrato honesto, lo-fi e crucial do espírito do pós-punk local.
Diante do exposto, percebemos que a cena pós-punk de Bristol foi, acima de tudo, um laboratório de ideias, cujos limites do som, da forma e da linguagem foram constantemente desafiados. Longe do mainstream, ela cresceu nas frestas do sistema, entre fanzines, selos caseiros e coletâneas como Avon Calling. Ali, bandas como The Pop Group, Essential Bop, Art Objects e tantas outras não só romperam com o punk, mas fundaram uma estética própria: política sem panfleto, dançante sem fórmula, poética sem pose. Bristol não quis ser centro, por isso mesmo se tornou essencial.
0 comments:
Postar um comentário