sexta-feira, 11 de abril de 2025

"Entre Ruínas e Montanhas: O Pós-Punk Esquecido do País de Gales"

Quando se fala em pós-punk britânico, o foco quase sempre se volta para os polos já consagrados Manchester, Londres, Sheffield. Mas nos vales nebulosos e cidades costeiras do País de Gales, uma cena fervilhava com sua própria lógica e angústia. Nos anos 80, em meio ao declínio industrial e ao ressurgimento de tensões culturais, um punhado de bandas galesas emergiu com um som tão denso quanto o céu cinzento que pairava sobre as fábricas abandonadas.

A cena galesa não era uma réplica tardia do que acontecia em Londres ou no norte da Inglaterra. Havia uma identidade própria, moldada pela geografia isolada, o bilinguismo (com o galês muitas vezes presente nas letras) e uma tradição política marcada por um senso aguçado de marginalização. Esse contexto serviu como solo fértil para experimentações sonoras carregadas de tensão, introspecção e resistência silenciosa.

Datblygu: Colagens de ruínas

Talvez o nome mais reverenciado dessa cena seja o Datblygu, um duo formado em 1982 por David R. Edwards e T. Wyn Davies. Misturando influências de The Fall com recortes da vida cotidiana galesa, o grupo cantava exclusivamente em galês um ato estético e político. Suas faixas misturam spoken word, batidas esqueléticas e teclados secos que evocam uma espécie de distopia doméstica. O álbum Libertino (1993, ainda que fora dos anos 80) é uma peça fundamental para quem busca entender a sensibilidade pós-punk fora do eixo inglês.

Young Marble Giants: Minimalismo que ressoa até hoje

 O trio Young Marble Giants, de Cardiff, é um dos maiores exemplos do poder do silêncio e da contenção como armas expressivas. Seu único álbum, Colossal Youth (1980), é uma obra-prima de economia sonora: baixo hipnótico, guitarra quase ausente e uma drum machine soturna sustentam a voz gélida de Alison Statton. Eles foram influência direta para bandas como Galaxie 500 e The Magnetic Fields.

Zabrinski, Llwybr Llaethog e o eco eletrônico

Embora já um pouco além da cronologia tradicional do pós-punk 80, nomes como Zabrinski e Llwybr Llaethog mostram como a cena galesa bebeu da fonte do dub, industrial e do eletrônico com desenvoltura. O Llwybr Llaethog, por exemplo, foi pioneiro ao misturar  dub e colagens sonoras com letras em galês,isto é,  um verdadeiro laboratório sonoro pós-punk que, embora marginal, é crucial para entender o experimentalismo do país.

Weekend

Formada por Alison Statton (ex-Young Marble Giants), essa banda seguiu uma linha mais jazzística e atmosférica, mas ainda profundamente enraizada no espírito do pós-punk. O álbum La Varieté (1982) é cultuado até hoje por sua elegância minimalista.

 Eirin Peryglus

Menos conhecida, mas importante na cena alternativa de língua galesa nos anos 80. O som flerta com o pós-punk e o experimentalismo, em linha com bandas como Datblygu.

Fflaps

Banda de Bangor (norte de Gales), cantando em galês, misturando punk e pós-punk com atitude DIY. Uma sonoridade que lembra um cruzamento entre Raincoats e bandas do selo Rough Trade, com muita energia crua.

 Y Cyrff

Não exatamente pós-punk puro, mas muito influenciados por bandas como The Smiths e Joy Division. Eles ajudaram a manter viva a cena alternativa em galês durante os anos 80, e depois deram origem ao Catatonia, que faria sucesso nos anos 90.

 Anrhefn (ou Yr Anhrefn)

Mais inclinados ao punk, mas com fases que mergulham no pós-punk e no som industrial. Uma banda politizada, barulhenta, e definitivamente parte da cultura alternativa galesa da época. Eles até foram convidados por John Peel para gravar sessões na BBC.

 Ail Symudiad

Outra banda de língua galesa que circulou entre o punk, o new wave e o pós-punk, especialmente ativa no circuito independente de Ceredigion. Vale pelo contexto lírico e atmosférico.

Um subterrâneo que nunca se rendeu

O que une esses projetos não é apenas a geografia, mas uma recusa em seguir o caminho mais fácil. Não há “hits” no sentido tradicional, não há carisma de arena, nem grandes gravadoras sedentas por contratos. O que há é a urgência de comunicar, de resistir  mesmo que ninguém esteja ouvindo. É o espírito do pós-punk em sua forma mais crua: subterrânea, desconfortável e, por isso mesmo, essencial.

Para os arqueólogos sonoros que habitam a Caverna, esmiuçando o anorexia Zine, o País de Gales oferece mais do que uma nota de rodapé: é um labirinto de ecos que ainda reverberam. Basta escavar com atenção.

 1985 - 1995, Primary, 1 of 9

 

0 comments:

Postar um comentário